- Título próprio
- Actualidades
- Autor/Criador
- BORDALO PINHEIRO, Rafael
- Suporte
- Papel
- Data de criação
- 13 de Novembro de 1875
- Técnica
- Litografia
- Lugar de criação
- Rio de Janeiro
- Localização actual
- Hemeroteca Digital - Biblioteca Nacional do Brasil
- Descrição
Caricatura em duas páginas, publicada no período O Mosquito (Rio de Janeiro/Brasil) composta em duas partes. Uma parte que destaca algumas estrelas do Teatro Alcazar-Lyrique, palco do Rio de Janeiro dedicado ao especialmente ao teatro musicado francês cuja programação impactava as discussões entre os intelectuais, os hábitos da sociedade carioca, as transferências culturais e, ainda, a movimentação do mercado editorial de partituras. E a outra parte dedicada mais uma vez à censura do drama Os lazaristas e à crítica anticlerical em torno da Questão Religiosa e, implicitamente, a relação de ambas com a percepção de uma decadência política, cultural e artística do Império brasileiro. Neste conjunto caricatural incluem-se novamente as figuras do fundador do periódico "O Apóstolo", Monsenhor José Gonçalves Ferreira; do presidente do Conservatório Dramático, João Cardoso de Menezes e Souza (Sr. João Censura); do Chefe da Polícia da cidade do Rio de Janeiro, Miguel Calmon Du Pin e Almeida. Além dessas figuras, destaca-se também Ismênia dos Santos, abolicionista, atriz e empresária do Teatro São Luiz/Rio de Janeiro, que foi intimada para fechar as portas do Teatro no dia 13 de outubro de 1875 e impedir a representação da peça Os Lazaristas. Em um cenário onde acentua-se a incoerência de determinadas ações oficiais de censura e repressão, bem como a sua característica como um sinal da decadência do país, neste conjunto caricatural são apresentadas quatro figuras que são apresentados como os mártires que estariam envolvidos nessas ações. Em primeiro lugar, aparecem Dom Macedo e Dom Vidal, personagens centrais na chamada “Questão Religiosa”, representados como anjos que têm à cabeça a mitra e sobre esta um cocar de índio – ícone utilizado com frequência neste período como símbolo da identidade nacional que, neste caso, estaria integrada ao cristianismo. Os seus desenhos são feitos com um traçado bem tênue, dando a ideia de algo que deveria estar de apagando, o que é reiterado textualmente pela afirmação “Estes mártires já são Ex.”. Em segundo lugar, é que aparece justamente “A beata Santa Ismênia”, sobre um pequeno altar, entre candelabros e olhando fixamente para o céu. E, em terceiro, no quadro final desta narrativa iconográfica aparece “São Carneiro Júnior” – provavelmente Manoel Rodrigues Carneiro Júnior, proprietário e eventual colunista do periódico O mosquito, responsável por convidar e contratar Bordalo Pinheiro, que é representando com um manto escrito “sociedade de letras e artes”, as mãos acorrentadas e também um cocar de índio integrado, neste caso, à figura deste intelectual mediador. Vale destacar que as quatros figuras portam uma pena caligráfica, representando talvez a Cultura como um elemento de disputa entre dois distintos projetos de nação. Neste conjunto caricatural a música também tem um espaço importante, especialmente na primeira parte, onde ela ocupa quase que toda cena. A imagem tem como fundo um grande leque sobre o qual aparecem os principais artistas em temporada no Teatro Alcazar, destacando-se as figuras e os nomes da “Mlle Suzanne” (Suzanne Castera), do “Mr Desroches” e da “Mlle Vanda” (Vanda Vasiloff). Além disso, contrastando com o próprio título deste conjunto caricatural – Atualidades – destaca-se textualmente uma programação que parece se constituir apenas de reprises: Les Bavards (Offenbach) e Giroflé-Girofla (Lecocqs Charles). O tom crítico desta parte se completa com duas legendas. “Lições de moral, por música ao alcance de todos. Romance sans paroles em harmonias de Tyrol” – provavelmente se remetendo à música romântica de Mendelsson. Frase escrita no limite superior do leque, entre as pernas do tenor “Descoroches, que aparece fazendo um gesto acentuando um olhar atento sobre a situação. E a frase: “Reprise de Giroflé-Girofla, uma ópera chic. Vão ver que o João Censura [João Cardoso de Menezes e Souza] dá licença. É em francês e sem política. Aí está o que nos deu o Alcazar”. Frase escrita no limite inferior do leque, a partir de onde, no menor espaço desta parte do conjunto caricatural, aparece uma outra cena completamente contrastante. Se no espaço principal, sobre o leque, apresenta-se uma multidão de homens bem vestidos, correndo em direção às musas do Teatro Alcazar; no outro espaço, como que saltando para além daquilo que o grande leque poderia encobrir, existe uma multidão segurando o rabo de um boi que parece em fuga, subindo uma escada. Cena que tem como legenda uma denuncia ao aumento do preço da carne, colocando em exposição a desigualdade de uma sociedade onde alguns são assíduos frequentadores do teatro musicado francês, ao mesmo tempo que que outros tem dificuldade até para comer. Na segunda parte há apenas uma passagem onde o Chefe da Polícia, Miguel Calmon Du Pin e Almeida, representado como que cantando, estaria “cansado já de solfejar” e não poderia “mais dizer o PIN......PAN.....PUM”, assumindo com vigor o seu caráter reacionário e repressivo, deixando de lado as “sinetas”. A menção a esse instrumento parece ser um continuidade do que é representado no conjunto caricatural catalogado como ID_000643, onde o “Sr. João Censura” segura um feixe de sinetas em cada uma das suas mãos, que começaria a tocar “desabridamente”, toda vez que lhes perguntavam se ele era “reacionário”.
- Instrumento(s)
- URL externa Imagem
- Bibliografia
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